segunda-feira, 29 de outubro de 2012

A-mor-te


Amava como quem respirava sem pirar, como quem andava, como quem piscava - sem esforço. Não era um amor doído, doido ou louco. Não era paixão e nem essas coisas que a mídia e a ciência adoram explicar. Não é você quem ama, são os seus hormônios, feromônios neurotransmissores e substâncias que blá-blá-blá estão desregulados.
Amor, ali não era doença moderna. Era uma existência alheia que morava levemente em si mesmo. Como um pedaço de boca vermelho-feminino que fora cuidadosamente guardado dentro do peito dele. Como um olhar-masculino capturado e guardado no tornozelo dela. Como uma madeixa de cabelos dela cheirando a xampu, aprisionados na nuca dele. Como um suspiro que sai do próprio corpo e visita a casa do vizinho, é recebido com chá com bolo e fica pra jogar conversa fora. Um suspiro fora do corpo, era só isso o amor, um sentimento despretensioso e sem ambição. Não demandava correspondência, prova ou coisa alguma. Não era neurose, era amor. Você me dá sono, ele disse. Ela respondeu entortando a testa de susto, e ele explicou que era porque ela o deixava tranquilo. Parece bom. E era. A existência de um justificava a respiração do outro sem que eles se fundissem num só. Tinham dores e frustrações, mas deixavam as poeiras d'alma para o mundo, e não para o outro.
Num dia quente e ensolarado ela morreu. Seu corpo parou de funcionar, o sangue deixou de correr e passou a caminhar, devagar, mais devagar e ainda mais d e v a g a r – até que parou e quase começou a andar de ré, num movimento inverso à vida. Só que a morte não é o avesso da vida, é apenas uma condição para ela. Quando se começa a amar, o amor é infinito. Ainda que a vida termine, o amor é sempre infinito. A correspondência termina, o arrepio na espinha da existência acaba, as palavras se calam. Não é porque você morreu que deixarei de amá-la. E não é porque você morreu que irei amá-la ainda mais. O amor não está inscrito no tempo, está escrito na minha alma. Não comia. Não dormia. Não bebia. O corpo parara de funcionar em plena vida. Virou estrela, que em plena morte se vê o brilho. Tal como o amor. É num instante que ele acontece, depois nos alimentamos do brilho de um morto. O amor é infinito e por isso sempre morto, pois nada do que é vivo é sem fim.

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Reverberações Amorosas

"O amor reverbera-se. Faz eco enquanto se perde nas avenidas que o levam ao destinado coração. Feliz é o amor que acha o endereço certo. Ele segue ecoando pelo caminho,e porque tem sorte, chega. Não tem descanço, mal ele chega e já é devolvido às alamedas amorosas para voltar ao movimento de reverberação de um amor correspondido. O amor vai-e-vem, mas a eficácia da sua chegada está nas mãos de quem o envia. Há que se ser rápido para que o amor não se distraia pelo caminho. É que são muitas as missivas amorosas. De tudo que se sente, o amor é sempre o sentimento mais recente. É o último grito, é o último sussurro, é o pensamento que insiste. É o conforto da mente. É pra onde corremos e recorremos quando dá para escolher. Por isso ele reverbera ininterruptamente. Porque o amor é o sentimento mais gostado de todos e volte e meia gosta de ser capturado, só pra iniciar uma nova reverberação. Quanta confusão!

Você acha que eu gosto de amar você?... ADORO. É o eco que eu provoco de maior deliciosidade. É o meu som mais bonito. É a minha sinfonia em Ré maior. Perdão pelo Ré, mas me recuso usar o DÓ.Coloco meu amor por você nos lugares mais bonitos, nas cenas das mais finas sintonias, ecôo meu amor por você no agora e nos tempos mais infinitos. Amor quando dá de ser amor mesmo, ecoa ADINFINITUM. Não sei mais, no entanto, se te alcanço nesses tantos ecos de amor. Ecos também se perdem em meio ao desordenamento das direções. Eu e minha dificuldade de orientação espacial, pequei quando acreditei no espaço que existe entre um segundo e outro, e me perdi. Acho que ando ecoando por aí, junto desde meu amor tão descabido de mim. 

A culpa é minha nesse caso de perdição. Não treinei o meu amor na arte da reverberação absoluta, e creio ter sido justo essa indisciplina amorosa do meu sentimento quem disvirtuou o teu. Você tatuou a promessa de manter-se criança em espírito mas quem saiu pra brincar foi o teu amor. Com o meu. Posso sentir, te juro, os ecos do meu amor rindo alto as sacanagens que viaja nas mãos do teu. Fomos passados para trás, meu caro. Confiamos nas idas e voltas e fomos traídos pela liberdade concedida. Dizem que o pecado mora nas esquina das liberdades. Nosso amor pecou. Descobriu as asas dos destinos que não cessam e voam, se divertem e riem dos nossos suspiros saudosos. E fazem chover. Sabe porque chove? Chove para que se corte a estática e a gente possa ouvir melhor o nosso amor solto por aí, um nas garras do outro, chovendo e rindo de nós. Quando chove eu me emociono de amor. Não vejo tristeza. Sinto que o nosso amor criança está certo: antes esteja livre reverberando ao som de mais uma chuva da estação, do que retido em eternas indecisões. Antes ecoe livre, do que nos abandone na desilusão que seria virar desamor. Não há dor, amor, porque seja onde fôr, eu sei que a gente tem um lugar juntos nessa alegoria de amor. Eu sei, eu sinto. Eu me sinto leve sabendo que meu amor é sonhador."

domingo, 14 de outubro de 2012

"Eu já estou tão desacostumado de me contar inteiramente a alguém, tão desacreditando na capacidade de compreensão do outro, sei lá, não é nada disso, sabe? Conviver é difícil - as pessoas são difíceis - viver é difícil paca.", por Caio Fernando Abreu.
"O amor deve nascer de correspondências, de excelências interiores.
 Espirituais (...)", 
por Mário de Andrade, em Amar, verbo intransitivo.